Post contribuído por Laura Wagner, Ph.D, Radio Haiti Project Archivist
Processar o arquivo da Radio Haïti-Inter pode ser um trabalho difícil. A colecção está repleta de violações dos direitos humanos, sofrimento, injustiça e morte – incluindo tanto a repressão que os jornalistas da estação cobriam como a repressão que eles próprios suportaram. No entanto, apesar do peso do assunto, ouvir a Rádio Haiti é muitas vezes motivo de alegria. Jean Dominique é a pessoa mais expressiva com quem alguma vez tive o privilégio de passar tempo. (Ele foi, nas palavras do seu amigo Jonathan Demme, “uma super estrela absoluta do teatro à espera de acontecer”). Em francês, ele citaria Henri de Montherlant e La Rochefoucauld. Em crioulo haitiano, ele recorria aos provérbios e expressões evocativas da língua. O crioulo é uma linguagem de poesia e duplos significados, de metáfora e divulgação, de mawonaj.
Na minha última semana no projecto da Rádio Haiti, quis enfatizar um lado mais leve do projecto e partilhar algumas frases maravilhosas do crioulo haitiano. Aprendi também alguns termos franceses fantásticos ao longo deste projecto (como scélérat – um vilão! muitas vezes emparelhado com medíocre, porque para Jean Dominique, medíocre era uma das piores coisas que uma pessoa poderia ser. Ou histrion, um bufão; scribouillard, um penusher; ou crepage de chignons, uma luta de gatos!). Mas, como disse, nesta lista vou concentrar-me nas expressões crioulas que apanhei pelo caminho, não só de Jean Dominique, mas também de Michèle Montas, J.J. Dominique, Konpè Filo, e outros membros da equipa da Rádio Haiti, bem como algumas das pessoas que entrevistaram.
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- Sòt pa touye w, men li fè w swè – Literalmente, a estupidez não te vai matar, mas vai fazer-te suar. O meu mantra pessoal cada vez que cometo um erro durante o processamento da colecção da Rádio Haiti. É praticamente o que parece: a estupidez não é fatal, mas cria muito mais trabalho para si.
- Sezi kou berejèn – Muito surpreendido; literalmente, surpreendido como uma beringela. Não faço ideia porquê.
- Depi djab te kaporal – Literalmente, “desde que o Diabo era um cabo”. Figurativamente, desde o início dos tempos. Dizem-me que é porque o Diabo tem sido um general durante muito tempo, portanto, se ele era um oficial de baixa patente, isso deve ter sido há muito tempo.
- Mare sòsis – Literalmente, para atar a sua salsicha com a de outra pessoa. Figurativamente, para estar em cahoots com alguém.
- M a di w sa Kasayòl te di bèf la – Literalmente, “Vou dizer-vos o que Cassagnol disse à vaca”. Quando se quer amaldiçoar alguém sem o fazer directamente. Ninguém sabe quem foi Cassagnol, ou o que ele disse à vaca, mas só podemos imaginar que foi mesmo muito mau.
li> Pitit trannde dan – Literalmente, “uma criança com trinta e dois dentes”. Num relatório de 1979 de Konpè Filo, trabalhadores do sexo de Port-au-Prince explicaram que se referiam aos seus chulos como “crianças com trinta e dois dentes” porque todos eles eram adultos mas ainda dependiam das mulheres para tudo.
- Benyen san kache lonbrit – Literalmente, tomar banho sem esconder o umbigo. Deixar tudo isto pendurado, sem ter segredos.
- Panzou – Tradicionalmente, um jogo infantil em que se bate a mão de alguém, muitas vezes para o fazer deixar cair alguma coisa. Panzou veio a significar golpe de Estado, referindo-se à forma como o exército tomou o poder do governo democraticamente eleito do Haiti em 1991. Os autores do golpe, por conseguinte, foram panzouyis (panzouistas).
- Nou se lanmè, nou pa kenbe kras – Um provérbio, e dos slogans da Rádio Haiti. Literalmente, “Somos como o mar, lavamos a sujidade”. Significa “revelamos a verdade, não guardamos segredos”
- Nou pa manje lajan Chango, nou pa manje manje bliye – Literalmente, “não consumimos o dinheiro de Chango, não comemos a comida do esquecimento”. Figurativamente, “não participamos na corrupção e nunca esquecemos”. Chango é um Vodou lwa conhecido pela sua raiva. Se se leva o dinheiro de Chango, é preciso estar preparado para fazer algo em troca. A expressão original é Lè w manje lajan Chango, fò w peye Chango (“Quando se usa o dinheiro de Chango, é melhor pagar Chango de volta”)
- Degi – Um pequeno bónus, como a dúzia de um padeiro. (Esta décima segunda entrada numa lista de onze é o seu degi!) Já sabia esta palavra antes, de cada vez que comprei arroz ou feijão num mercado haitiano, mas não sabia que o degi vem da língua Fon da África Ocidental, como Jean Dominique aprendeu quando entrevistou o embaixador do Benin, Patrice Houngavou, em 1978.
li> Mete absè sou klou – Literalmente, colocando um abcesso em cima de uma fervura. Figurativamente, agravando uma má situação.
Uma nota do pessoal de Rubenstein: Laura, vamos sentir a sua falta! Obrigada pelo seu incrível e inestimável trabalho neste enorme e complicado projecto. Temos tanta sorte em ter pote kole consigo nestes últimos anos. Devido ao seu trabalho árduo, perícia e paixão, o Arquivo da Rádio Haiti é acessível a pessoas de todo o mundo. Quão espantoso é isso?! Desejamos-lhe as maiores felicidades e aguardamos com expectativa os seus futuros esforços.
O processamento da colecção digital do Arquivo da Rádio Haiti e do Arquivo da Rádio Haiti foi possível através de subsídios do National Endowment for the Humanities