Reciprocidade (antropologia cultural)

O modo de produção domésticoEditar

Marshall Sahlins tem enfatizado que a troca não mercantil é limitada pelas relações sociais. Ou seja, a troca nas sociedades não mercantis tem menos a ver com a aquisição dos meios de produção (seja terra ou ferramentas) e mais com a redistribuição dos bens acabados por toda uma comunidade. Estas relações sociais são, em grande parte, baseadas no parentesco. A sua discussão sobre os tipos de reciprocidade situa-se dentro daquilo a que ele chama o “modo de produção doméstico”. A sua tipologia de reciprocidade refere-se assim a “culturas sem Estado político, e aplica-se apenas na medida em que a economia e as relações sociais não foram modificadas pela penetração histórica dos Estados”:186-8 Paul Sillitoe alargou a análise da reciprocidade nestas condições, argumentando que o tipo de reciprocidade encontrada dependerá da esfera de produção que está a ser examinada. A produção de bens de subsistência está sob o controlo de unidades domésticas e, portanto, marcada pela reciprocidade generalizada. Os objectos de riqueza – pela sua natureza vindos do exterior – são trocados competitivamente para adquirir estatuto, mas ninguém é capaz de controlar a sua produção e, portanto, centralizar o poder.

tipologia SahlinsEdit

Nestas circunstâncias, a troca recíproca pode ser dividida em dois tipos: troca diádica (reciprocidade), e pooling (redistribuição). O pooling é um sistema de reciprocidade. É uma relação dentro do grupo, enquanto que a reciprocidade é uma relação entre relações. O agrupamento estabelece um centro, enquanto a reciprocidade inevitavelmente estabelece duas partes distintas com os seus próprios interesses.:188 Enquanto a forma mais básica de agrupamento é a da alimentação dentro da família, é também a base para esforços comunitários sustentados sob um líder político.

p>Reciprocidade, em contraste, é uma troca diádica cobrindo uma gama de possibilidades, dependendo dos interesses individuais. Estes interesses variam de acordo com a distância social das partes.:191 Uma gama de tipos de reciprocidade pode assim ser esboçada, segundo Sahlins:

  • Reciprocidade generalizada refere-se a transacções putativamente altruísticas, o “verdadeiro dom” marcado pela “fraca reciprocidade” devido à imprecisão da obrigação de reciprocidade. O lado material da transacção (a troca de bens igualmente valiosos) é reprimido pelo lado social e é evitada a contabilização de dívidas. O tempo para o presente de devolução é indefinido e não qualificado em quantidade ou qualidade. Uma falta de reciprocidade não faz com que o doador deixe de dar.:193-4
  • reciprocidade equilibrada ou simétrica refere-se à troca directa de equivalentes habituais sem qualquer atraso, e por isso inclui algumas formas de ‘troca de presentes’, bem como compras com ‘dinheiro primitivo’. A troca é menos social, e é dominada pela troca material e interesses individuais.:194-5
  • A reciprocidade negativa é a tentativa de obter “algo em troca de nada com impunidade”. Pode ser descrita como “regateio”, “troca”, ou “roubo”. É a forma mais impessoal de troca, com os interessados procurando maximizar os seus ganhos.:195

Reciprocidade e distância de parentescoEditar

Esta tipologia de troca recíproca foi desenvolvida por Sahlins em relação ao modo doméstico de produção (i.e. ‘economia da idade da pedra’) e por isso deve ser contrastada com as concepções de ‘comunismo primitivo’ da poltrona do século XIX. Dentro deste mesmo modo de produção doméstico, o grau de distância social – parentesco em particular – afecta o tipo de reciprocidade. Uma vez que o parentesco é a principal forma de organização destas sociedades, os não parentes (estranhos) são vistos de forma negativa. Um modelo geral de reciprocidade deve reconhecer que a proximidade do parentesco variará de acordo com o tipo de sistema de parentesco. Na medida em que o parentesco também determina a residência, a proximidade do parentesco pode também traduzir-se em proximidade espacial. Daí que se encontre reciprocidade generalizada dentro do grupo de parentesco, reciprocidade equilibrada dentro de uma comunidade espacial, e reciprocidade negativa com pessoas de fora (isto é, fora da comunidade). O tipo de reciprocidade reflecte a natureza moral da relação social, daí que a moralidade não seja universal, mas dependente da distância social. O modelo de Sahlins vê assim a reciprocidade como social, moral e economicamente estruturada e “a estrutura é a dos grupos de parentesco-tribais” e não uma ética moral universalizante.:196-201

Reciprocidade e grau de parentescoEditar

Com grau vem privilégios. Contudo, nas sociedades tradicionais, “a desigualdade social é mais a organização da igualdade económica”. Muitas vezes, de facto, a alta patente só é assegurada ou sustentada por uma generosidade crescente”:205 A patente é geralmente geracional, com os mais velhos a terem antiguidade, mas ainda assim mantidos pelos limites do parentesco próximo. A reciprocidade generalizada por tais anciãos pode ser um “mecanismo de partida” para uma hierarquia mais geral, ao colocar muitos na dívida do doador. Isto leva à questão, “quando é que a reciprocidade dá lugar à redistribuição”:209 Sahlins argumenta que a redistribuição não é principalmente diferente em princípio e nada mais do que uma forma altamente organizada de reciprocidade por parentesco.

Reciprocidade em sociedades baseadas no mercadoEdit

David Graeber argumenta, em contraste, que a troca equilibrada de presentes e a troca de mercado têm mais em comum do que normalmente se supõe. Uma vez que ambas são equilibradas, a relação social criada através do sentido de dívida e obrigação está constantemente em perigo de ser terminada pela troca/presente de retorno. Ele pensa que é melhor contrastar a reciprocidade “aberta” e “fechada”. A reciprocidade aberta “não tem contas porque implica uma relação de compromisso mútuo permanente”. Esta reciprocidade aberta é encerrada precisamente quando é equilibrada. Pensado desta forma, podemos ver a relação como uma questão de grau, mais ou menos aberta ou fechada. A reciprocidade fechada de ofertas é mais como a troca de mercado. É competitiva, individualista e pode fazer fronteira com a permuta.

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